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sábado, 24 de março de 2012


SHOW NOVO

O Teatro SESC Ginástico, no Centro da Cidade, resolveu apostar na Bossa Nova e me propôs abrir o Projeto "Terça com Bossa". Como é único tocar na nossa cidade, não pude deixar de aceitar esse convite e aguardo todos lá. Vou mostrar uma porção de coisas novas, além dos clássicos, é lógico. Confiram o RELEASE do show, abaixo. Vejo vocês lá!

Teatro SESC Ginástico - Av. Graça Aranha, 187 - tel: 2279.4027


CARLOS LYRA
no show
UM CARIOCA ALÉM DA BOSSA

Carlos Lyra, um dos compositores, criadores desse surto musical que floresceu na cidade do Rio de Janeiro, e que levou a Bossa Nova para o Carnegie Hall fazendo-a ser conhecida em todo o mundo, apresenta novo show, misturando clássicos que todos gostam de cantar, histórias de seus parceiros e composições novas, num espetáculo repleto de romantismo e de homenagens à cidade do Rio de Janeiro.
O show além da Bossa mostra como o artista, coloca em prática todas as suas influências e mostra todos os diferentes ritmos que fazem parte da Bossa Nova, ao contrário do que se acredita quando a ligam apenas ao samba bossa-nova. São toadas, choros, valsas, baião, samba, marchas, tango brasileiro - essa chamada Carioca de Algema, feita em parceria com Millôr Fernandes que fala das pessoas de vários lugares do Brasil e do mundo, que escolheram essa cidade para morar e se tornaram cariocas algemados de amor ao Rio de Janeiro. Não podendo deixar, é claro, de contar com clássicos como Minha namorada, Primavera, Lobo bobo entre outras, que estimulam o público a cantar junto e que são marcas registradas deste artista em qualquer parte do mundo.

Várias parcerias inéditas e inusitadas recheiam esse espetáculo. "Pra Sempre" em parceria com João Donato, tem a música feita pelos dois e a letra, feita por Carlos Lyra que se baseou em seus próprios sentimentos. Ele diz: "Nunca me apaixonei, mas tenho uma grande capacidade de amar. Minha mulher que o diga. Numa letra minha, ainda inédita, cuja música é em parceria com Donato, disse o seguinte: "O que faz a esperança ser mais que a ilusão / E um romance inocente ser mais que a paixão? / Que a paixão é fugaz / E um romance é pra sempre."  Na também, primeira parceria com Ronaldo Bastos, lhe envia um tema com grande influência da música francesa, que intitulou "Belle Époque" e recebe, de volta, uma letra extremamente delicada, falando, de novo, do amor. Para não fugir ao tema, vem da nova geração, a contribuição de seu sobrinho, Cláudio Lyra, na letra "Passageiros", musicada pelo tio e também "Até o fim", com Marcos Valle, recentemente gravada por Emílio Santiago.

Em parceria inusitada, com Machado de Assis, Carlos musica seu poema "Quando ela fala" a pedido da Academia Brasileira de Letras, para a cerimônia de traslado dos restos mortais de Machado e de sua esposa Carolina, da sepultura para o Mausoléu da Academia. Logo depois, recebeu o convite de Arnaldo Niskier para tocar, durante a cerimônia, no Cemitério São João Batista para a qual enviou sua filha, Kay, acompanhada de um flautista, um violonista e uma cellista, que rendeu o seguinte comentário: "Pai, a platéia não poderia ser melhor. De um silêncio profundo!"

Outro convite desse porte foi feito pelo poeta baiano Ildásio Tavares, ao encomendar uma música para o centenário de Castro Alves. Após profunda pesquisa ele descobre esse poema, de enorme delicadeza, chamado "As duas flores", escrito quando tinha apenas 14 anos. Assim também, música  Fuenteovejuna, de Lope de Vega de onde se destaca a valsa "Val de Fuenteovejuna", para a qual compõe uma música medieval, seguindo, até mesmo, as acentuações praticadas naquela época.
Na canção "Na batucada", também inédita, sem parceiros, o compositor conta a história do cotidiano das ruas do Rio de Janeiro aonde as pessoas se encontram, munidas de instrumentos como é comum em bares e rodas de amigos.

Num bloco de músicas dedicado à cidade maravilhosa, esse carioca faz várias odes à cidade e a seus bairros mais famosos. Além de "Carioca de Algema", ele nos mostra "Em tempo, eu te amo... "composta durante uma caminhada na Lagoa aonde faz em letra e música, uma declaração de amor à cidade, assim como em Y-panema, também sem parceiros, feita para as comemorações de 100 anos do bairro onde mora e "E era Copacabana", essa com letra de Joyce, com uma atmosfera que nos leva à época e ao bairro onde a Bossa Nova nasceu.

Tendo o amor como tema recorrente em suas parcerias, mas sempre o tratando de uma forma clássica e elegante, nos remete às palavras do amigo com quem Carlos Lyra tanto se identifica em suas influências e no apuro estético de compor. "Grande melodista, desenhista, harmonista, rei do ritmo, da síncope, do desenho, da ginga, do balanço, da dança, da lyra. Lyrista e lyricista, romântico de derramada ternura, nunca piegas, lacrimoso, açucarado. Formidável compositor." Assim escreveu Tom Jobim sobre este artista que com 58 anos de carreira, internacionalmente consagrado, se mantém produtivo, criativo e encantando as platéias.

A formação do show reduzida para simular um Sarau aonde novas canções são apresentadas, mantendo o clima intimista da música de câmera, é composta por ele na voz e violão, Fernando Merlino no teclado, Dirceu Leite no sax, flauta e clarinete e Ricardo Costa na bateria. Três músicos experientes, que compoem sua banda com a qual viaja o mundo cantando o Rio de Janeiro e a música que a cidade produz. E mais uma participação pra lá de especial de Márcio Menescal. O título do show, reflete os diversos gêneros musicais por onde Carlos Lyra trafega com a maior naturalidade.  Muito além do que ficou reconhecido como Bossa Nova. Muto além da Bossa.
Magda Botafogo

MAM

MAM

Essa semana tive a feliz companhia de queridos amigos, no MAM, quando nos reunimos para ver a abertura da exposição das novas aquisições da Coleção Gilberto Chateaubrinad e ainda aproveitar a exposição da artista norte-americana Nan Goldin, cujas fotografias e slides causaram tanta polêmica por aqui. Um programa que vale a pena, e fica claro na foto abaixo, com a alegria estampada de Marcos Valle, Joaquim Ferreira dos Santos, Carlos Alberto e Gilberto Chateaubriand. A foto foi tirada por Patricia Alvi, que nos acompanhava junto com minha mulher Magda e nossa madrinha Sylvinha Gouvêa, que escaparam da foto.


PRECURSORES E INFLUÊNCIAS



Atualmente, todos conhecem a afirmação de que "Bossa Nova sofre influência do jazz". Qualquer um, até os menos informados, repetem o bordão com segurança e autoridade. Eu, por exemplo, não me canso de repetir o mesmo, só que me causa uma certa espécie o fato de que outros mais informados, e até mesmo jornalistas, afirmem que a Bossa Nova é um movimento que teve como precursores, Tom Jobim, Vinicius, Carlos Lyra, Menescal e outros. Proponho-me a discordar de tais afirmações, porque a Bossa Nova não vem a ser um movimento, mas sim um surto cultural musical decorrente de um - esse sim - movimento econômico, mais conhecido como desenvolvimento, ocorrido nos anos 50, 60, quando Juscelino foi presidente. A propósito, o termo "precursor" não se aplica aos compositores acima mencionados, que seriam, mais bem, criadores e não precursores como Dick Farney, Lucio Alves, Johny Alf, Dolores Duran, OS Cariocas, etc... que precederam a Bossa Nova. Outros observadores, incluindo críticos especializados, declararam que a Bossa Nova está para o Brasil, assim como o jazz está para os EUA. Sendo a Bossa uma música cantada, não seria o correspondente do jazz americano - uma música essencialmente instrumental - e sim correspondente das canções de compositores como Cole Porter, George Gershwin, Richard Rogers, Jerome Kern e Irving Berlin (também cantadas), todos extrações de uma classe média como os compositores brasileiros. Igualmente de classe média são outros tipos de música internacional como o bolero mexicano, de Agustin Lara, Gonzalo Curiel, Maria Grieber, Sabre Marroquin, e outros que se destacam nos anos 40, durante um, também, desenvolvimento cultural no México pós revolução e que, aliás, também influenciaram a Bossa Nova. Poderíamos ainda, citar outras influências como as canções francesas de Charles Trénet, Ives Montand, Edith Piaff, Georges Brassens, Léo Ferré e Michel Legrand, todos vindos de uma classe média urbana e culta. Os compositores citados, independentemente do país de origem sofrem, indiscutivelmente, influência do jazz assim como do Impresssionismo francês (Ravel e Debussy) ou ainda de Strawinsky, Rachmaninoff, Rimsky Korsakov e Chopin sendo que, no Brasil, cabe ainda destacar Villa Lobos. Numa conversa com Tom Jobim, chegamos à conclusão que tínhamos as mesmas influências, tanto de compositores populares como eruditos, além dos populares brasileiros como Caymmi, Ary Barroso, Custódio Mesquita e Noel Rosa. Concordamos também que o Jazz que nos seduzia era o Jazz West Coast representado por Gerry Mulligan, Chet Baker, Shorty Rogers, Barney Kessel e Modern Jazz Quartet. Sendo, pois, a Bossa Nova uma música de classe média não é,  como já afirmaram, uma música de geração (anos 50/60) e sim uma música de classe social que atraiu enormes platéias aos bares, teatros e Universidades  e que depois do golpe de 1964 sofreu uma dramática decaída no Brasil, juntamente com os níveis cultural e educacional. No entanto, a música de Bossa Nova, apesar de tudo, continua sendo largamente executada em países de classe média expressiva como Estados Unidos, Japão e toda a Europa.


sábado, 25 de fevereiro de 2012

MÚSICA DE COROA




Música de Corôa

Assisti, recentemente, a um filme nacional - "Olhos azuis" - muito bem escrito e dirigido por José Joffily. Uma cena que me chamou a atenção foi de um diálogo entre um cinquentão norte-americano e uma brasileira adolescente e nordestina. Durante uma viagem de carro, a garota ligou o rádio, alto, pra ouvir aquelas músicas, no caso, bastante ruins. O gringo perguntou se aquilo era necessário e por que ela não ouvia música boa como Bossa Nova, por exemplo. "Isso é música de corôa." Respondeu ela. No que ele contestou: "mas rock and roll ainda é mais velho do que isso!" Imediatamente comecei a conjeturar que Elvis Presley é bem mais antigo do que a Bossa Nova, só que a música foi lançada nos EUA, onde as coisas com o mínimo de qualidade, tendem a se preservar. E a Bossa Nova, nasceu no Brasil, num período muito especial da nossa história e do nosso desenvolvimento econômico. Realmente, na época de Juscelino, os surtos culturais aconteceram em todas as áreas: na música, no cinema, nas artes plásticas, no teatro e na literatura, destacando-se, nessa última, a poesia concreta que foi até exportada para a Europa. Nesses "anos dourados" a juventude acorria aos shows de Bossa Nova que se realizavam nos bares, nos teatros e nas universidades. Isso tudo durou até 1964, quando o golpe militar desencaminhou nossa cultura e educação. E isso até os dias de hoje, onde o público adepto à Bossa Nova, se equipara em faixa etária ao norte-americano do filme que comentei. Sempre afirmei, e repito, que Bossa Nova não é uma música de geração, mas é uma música de classe média, haja vista que até hoje toca-se Bossa Nova nos EUA, na Europa, no Japão e em qualquer lugar onde exista uma classe média significativa. No Brasil, e especialmente no Rio de Janeiro, o berço da Bossa Nova, quando um estrangeiro aqui chega e pergunta aonde se pode ouvir esse tipo de música, temos que responder, melancolicamente, que não existe tal lugar. Além do prejuízo cultural, isso resulta em perda de proveitosos ingressos econômicos, sem falar que o nível cultural da juventude, em sua maioria, quase se equipara ao dos bolsa-família. Por outro lado, a juventude alfabetizada, tende mais a buscar informações na internet, o que não deixa de ser um recurso ao alcance de todos, mas não tem o mesmo encaminhamento cultural que um disco, uma exposição, um livro ou uma peça de teatro. Com tudo isso resulta a educação ter caído a um nível bastante medíocre. Mas como diz o ditado: "a esperança é a última que morre!".

TERAPIA E ASTROLOGIA



Em 1974, quando tive meu disco "Herói do Medo", totalmente delapidado pela censura da ditadura militar, cedi ao impulso de combater a depressão partindo para Los Angeles para me entregar a uma terapia chamada Grito Primal que, realmente, mudou minha vida: deixei de fumar, aprendi a chorar e passei a sentir o que dizia e a dizer o que sentia. Um dos meus companheiros de terapia era o Beatle John Lennon, com quem tive algumas conversas na lojinha de música que ficava no caminho do Centro Terápico. Numa das primeiras conversas com ele tinha que perguntar-lhe, evidentemente, o que aquela terapia estava fazendo por ele. Sua pronta e curta resposta foi: "It saved my life!" (Salvou minha vida).

Outra grande satisfação, em Los Angeles, foi descobrir a Astrologia Sideral que, também, mudou minha cabeça. Essa Astrologia se postava visceralmente contra a Astrologia vigente e tradicional. No curso que frequentei fui informado que em virtude do movimento dos astros, 80% das pessoas não pertencem, na verdade, ao signo que professam e sim a um signo imediatamente anterior, porque os astros mudam de posição a cada quase dois mil anos, por um efeito astronomicamente conhecido como a Precessão dos Equinócios. Por defender essa teoria, Galileu Galilei, quase virou churrasquinho na fogueira da Inquisição, por dizer que a terra se move ("e pur si muove").
Meu queixo caiu em direção ao signo de Áries, quando se me revelou que eu não era mais Touro, porque, no ano em que nasci, o sol já não percorria, há muitos séculos (desde 226 d.C.), a Constelação de Touro e sim a de Áries. Mas os ensinamentos dos astrônomos-astrólogos Cyril Fagan (irlandês) e Garth Alan (americano), eram irrefutáveis. Excusado dizer que essa escola e sua teoria astrológica, foram implacavelmente perseguidas, a exemplo da Inquisição Medieval, pelos adeptos da Astrologia vigente que faturavam milhões de dólares distribuindo horóscopos, predições e outras práticas. Tudo baseado num pretensioso erro astronômico.

Quando voltei ao Brasil, tratei de escrever um livro com o intuito de esclarecer a Astrologia Popular Brasileira. Santa inocência..... Com exceção da astróloga Ana Maria Costa Ribeiro, que até foi no lançamento do meu livro, os astrólogos em geral me receberam como um comunista no Vaticano e pareciam querer fazer comigo o que a Inquisição quase fez com Galileu.  Para minha compensação o primeiro livro foi lançado pela Editora Codecri, do jornal O Pasquim (também contestatório) e ilustrado pelo Ziraldo. Melhor ainda, numa subsequente tentativa, um segundo livro sobre o mesmo assunto, foi prefaciado por dois astrônomos e a ilustração da capa do livro fornecida por um terceiro astrônomo, assim como os dois outros, gratificado pelo fato de eu lançar no Brasil, uma astrologia baseada nos preceitos astronômicos.

Como ambas as edições estão esgotadas, estou buscando uma editora para relançar o segundo livro, que se intitula "AYANAMSA - Astrologia Sideral". Sendo que Ayanamsa, em sânscrito, quer dizer diferença. O texto é todo focado na Astrologia dos egípcios, que é a base da Astrologia Sideral.
Nada me pareceu mais fascinante do que misturar Mitologia, Astrologia, Astronomia e Egiptologia e, até lá, me ponho à disposição para novos esclarecimentos a quem possa interessar.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

ENTREVISTA

Hoje, relendo uma revista corporativa para a qual dei uma longa entrevista, cheguei à conclusão de que esta foi uma das melhores entrevistas publicadas nos últimos anos e resolvi compartilhar, aqui, com vocês.


PERSONAGEM / CAPA 
 50 ANOS DA BOSSA NOVA
Carlos Lyra
“Bossa Nova provoca mudanças, aguça os ouvidos a cada detalhe”

Homenagear 50 anos da arte de fazer vida com a música ou música com a vida nos coloca ao lado de Carlos Eduardo Lyra Barbosa, ou Carlos Lyra, um mito. Nascida em meio à classe média, a Bossa Nova aprimorou a qualidade de formação da opinião, também contribuindo para a evolução das artes, publicidade e, como assegura Lyra, “de Recursos Humanos também”.
Canções como “Primavera”, “Coisa Mais Linda”, “Quando Chegares” e muitas outras tratam de pessoas, de relações. “O Tom (Jobim) é que gostava dessa história de paisagem, praia, céu, montanha.  Não tenho nada contra esses temas, só que não é a minha praia. Minhas músicas sempre cuidaram de relações ou conflitos pessoais”, justifica Lyra.
Ele fez muito mais do que dezenas de discos (CDs e vinis), três livros e uma filha. Considerado “um dos maiores melodistas de todos os tempos” e “uma figura elegante e ímpar” por Tom Jobim e “capaz de unir ação ao pensamento e ao sentimento” na opinião do amigo e “parceirinho” Vinicius de Moraes, Carlos Lyra escreveu (e escreve) – ao lado destes dois ícones citados e mais Ronaldo Bôscoli, Baden Powell, João Gilberto e Nara Leão - com tintas carregadas a história cultural brasileira.
Senão vejamos: levou a Bossa Nova aos Estados Unidos e depois ao México e Japão; fundou o Centro Popular de Cultura da UNE; uniu o samba de morro ao “samba de apartamento” com Zé Kéti, João do Vale, Nelson Cavaquinho e Cartola facilitando a criação de uma MPB brasileira; tocou ao lado de Stan Getz, legenda do jazz americano popularizando bossa nova entre os ianques; musicou Millôr Fernandes, Lope de Veja e Dias Gomes para citar alguns; fez música para filmes premiados e foi gravado por centenas de músicos, compositores e intérpretes em todo o mundo.
E hoje ainda compõe muito para inúmeros intérpretes. Com tudo isso, Carlos Lyra não está nas rádios e TVs por aqui. Entenda este e outros porquês, como o de a Bossa Nova ter tudo a ver com RH, na entrevista que se segue.

NEWSLET – Por que a Bossa Nova tanto muda a cabeça das pessoas no sentido do “saber-fazer”?
Mas o termo “bossa” não é novo. Machado de Assis no conto “Helena” já dizia, através de um de seus personagens, “tu tens a bossa das viagens e eu tenho a bossa do casamento”. “Bossa” sempre foi “uma forma ousada de fazer algo”. Com aquela tranqüilidade política e econômica de 1958 (e dos anos seguintes) havia inúmeros “surtos” culturais, como a Bossa Nova. A classe média não estava achatada. Hoje temos economia forte, mas quase sem classe média. E é a classe média quem cria cultura.

NEWSLET – E de que forma a Bossa Nova se eterniza?

Carlos Lyra – Por meio de uma classe média que, apesar do sofrimento, ainda detém a cultura universitária. A Bossa Nova valoriza a forma de como se trabalha qualitativamente a informação. Você não vai fazer Bossa Nova se não tiver ido ao colégio, à universidade e se não tiver berço, freqüentar cinemas, teatros. Não dá para fazer Bossa Nova sem este tipo de estofo.

NEWSLET – Por que ela é muito mais tocada no exterior do que o samba ou o pagode, por exemplo?

Carlos Lyra – Simples. Por ser de classe média, a Bossa Nova tem uma capacidade de se comunicar horizontalmente com qualquer classe média do mundo. E nem tanto de se comunicar verticalmente com o nosso próprio povo. Faço shows freqüentes, por exemplo, no Japão onde a Bossa Nova é adorada. O nosso povo não se identifica com a nossa a classe média como a classe média do exterior o faz.

NEWSLET – Quase não ouvimos Bossa Nova nas rádios brasileiras. É uma atitude comercial?

Carlos Lyra – Não. É uma ignorância do Brasil, porque toca nas rádios dos Estados Unidos, América Latina, Europa e Japão o dia inteiro. E não é problema de memória; infelizmente 90% dos brasileiros são destituídos de cultura.  

NEWSLET – Alguns gestores de pessoas confirmam que “ouvir Bossa Nova melhora as relações de trabalho”. Como isso acontece?

Carlos Lyra – A Bossa Nova oxigenou a cabeça das pessoas. Um estilo musical carregado de forte cabedal cultural tem que interferir em tudo onde haja informação. A Bossa Nova se eterniza porque não se restringe à música em si. É muito fácil para Recursos Humanos se apropriar positivamente de elementos da Bossa Nova porque esta nasceu para cuidar de pessoas em cada detalhe de suas letras. Todos os setores do pensamento humano que se comunicam entre si, são de classe média. Por exemplo, a publicidade não pode prescindir de RH, que não pode prescindir de Economia, e por aí vai. Todos conversam entre si e vêem na Bossa Nova uma fonte inesgotável.

NEWSLET – Para você que estudou em um colégio culturalmente forte como o Santo Inácio (Rio) o brain storm diário também gerou muitas letras?

Carlos Lyra – Com certeza! Buscávamos nos aproximar de outros jovens que pensassem da mesma maneira. As pessoas se procuravam para trocar idéias, para aprender. Pelo Santo Inácio passaram o Vinicius de Moraes, o Jacques Klein, o Edu Lobo, o Cacá Diegues, Fernando Barbosa Lima, Arnaldo Jabor, todo mundo que formou opinião na cultura brasileira.

NEWSLET – RH vive buscando fórmulas para unir competências. Qual é o segredo para unir talento, ação e sentimento?

Carlos Lyra – O segredo é você ser realmente uma pessoa com vocação artística e jamais desprezá-la. Nesse caso, a tendência é conseguir unir esses elementos. A vocação faz com que o ser humano junte idéias e pessoas para engrandecer essas idéias. Vinicius de Moraes, por exemplo, foi um grande aglutinador de pessoas. Ele uniu o Tom Jobim e o Baden (Powel) a mim, e depois o Toquinho, o Edu Lobo, o Francis Hime. Assim a Bossa Nova gerava formadores de opinião.

NEWSLET – Bossa Nova é troca de experiência. O que você pode falar do aprendizado com: Tom Jobim? Vinicius de Moraes? Baden Powel? Nara Leão?

Carlos Lyra – Do Vinicius de Moraes aprendi de um jeito muito informal lições de vida e o valor da poesia de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e tantos outros. Minhas composições ficaram mais ricas. Qualquer conversa com o Vinicius vinha carregada de informação cultural. Hoje não vejo isso na cultura brasileira. Infelizmente as pessoas não vêem necessidade de trocar informação. Já o Tom Jobim era um grande músico e fã meu. O Tom me incentivou muito no estudo da música. Baden Powel era espetacular. Pessoa de origem humilde, tinha profundidade musical ímpar e incrível facilidade de absorção das coisas de Pixinguinha. Não era literário, mas sabia mesclar o afro com a bossa. Já a Nara Leão não era musa, era música; uma pessoa participante.    

NEWSLET – Como você vê o empobrecimento da língua portuguesa em músicas como o funk, axé, pagode, entre outros?

Carlos Lyra – Hoje está em alta o consumo a todo custo e não mais a cultura ou a arte. Depois do golpe militar de 1964 não houve mais preocupação com cultura e educação. Conversei com estudantes de filosofia da atualidade que disseram “já ter ouvido falar de um tal de Drummond de Andrade”; já uma repórter de conhecido periódico carioca me pergunta se “eu canto música country”. Na livraria que entro para pesquisar sobre teatro grego, o rapaz de lá pergunta “se falo de Shakespeare”. Aí complica. É este o baixo nível da educação e cultura de hoje.

NEWSLET – Há preocupação dos compositores e intérpretes com Educação hoje?

Carlos Lyra – Não há nenhuma! O que existe é uma procura acelerada por informações a todo custo pela Internet, mas, não se procura cultura. Informação não é exatamente cultura. A cultura está no tipo de filtro de que faz da informação que se recebe. Hoje a informação imediata e pasteurizada vence o prazer de saber o que diziam as principais obras de Shakespeare, como “Macbeth”. A música, em geral, está empobrecendo as pessoas. É desencorajador! É claro que há exceções como Caetano Veloso, capaz de escrever coisas de categoria.

NEWSLET – Você conseguiu unir a música da zona sul com a do morro (anos 60). Como foi possível?

Carlos Lyra – A música de morro hoje não me interessa. Naquela época me interessava, porque o Zé Kéti, o Cartola e o Nelson Cavaquinho tinham um talento musical espetacular. Aquela música deles,  possuía uma força popular bonita e intuição inacreditável. O fruto da união desses caras com a Bossa Nova gerou o que hoje chamamos de MPB (Música Popular Brasileira) e fez surgir gente como Chico Buarque, Ivan Lins, Djavan, Milton Nascimento e muitos outros.

NEWSLET - Quem influenciou quem, a bossa nova ao jazz ou o jazz a bossa-nova?

Carlos Lyra – As duas coisas. A Bossa Nova primeiro teve uma influência do jazz west coast. Mas em um dado momento falamos: “gente, vamos tomar cuidado para que isso não invada a nossa área, a nossa cultura”. Aí começamos a dar injeções de brasilidade em nossas melodias. Assim a Bossa Nova começou a influenciar o jazz.

NEWSLET – Em que momento teve a consciência de que a Bossa Nova iria ganhar o mundo?

Carlos Lyra – Em 1962, quando fomos para o Carnegie Hall (Nova Iorque – EUA). Ali, quando vimos (eu, Tom, João Gilberto, entre outros) aqueles “musos” americanos aos nossos pés, Stan Getz, Gerry Mulligan, Chat Baker, “caiu a ficha”. Sentimos que estávamos fazendo algo realmente importante. O convite pintou, na verdade, de um gringo que tinha as piores intenções: só queria gravar as músicas para vender e ganhar dinheiro. Apesar da bagunça, a Bossa Nova entrou, pelo Carnegie Hall, nos Estados Unidos ao mesmo tempo em que os Beatles e deu muito certo!
  
NEWSLET – Em 1964 você se exilou. Que importância o contato com outras culturas teve para a sua inspiração criativa?

Carlos Lyra – Abriu-me mais horizontes, para começar com os músicos do jazz americano. Comecei a tocar com o Stan Getz. Os músicos dele eram de primeira linha. Aprendi demais. Utilizava o grupo do Stan Getz como um canal para abrir mais portas à Bossa Nova. Curiosamente no México tive um banho de cultura muito maior do que nos EUA. Conheci o cineasta Luís Buñuel, os diretores de teatro mexicanos, a literatura espanhola, os artistas latinos, Gil Vicente, Calderón de La Barca, Juan Ruiz de Alarcón, Lopez de Vega; tudo o que era lenda para mim. Gabriel Garcia Márquez foi meu parceiro de gingle, conheci a obra “Os Cem Anos de Solidão” (1970) ainda datilografada.

NEWSLET – E a saudade do Brasil também influenciava na produção musical?

Carlos Lyra – Muito. Tanto é que só fazia música brasileira e a impunha aos povos que visitava. É muito duro sentir saudade de um país. Não podia voltar porque xingava um governo asqueroso. Na verdade eles censuravam mais o meu jeito de me comunicar com as pessoas do que as minhas letras. 

NEWSLET - Que importância a produção do João Gilberto tem para a perpetuação da Bossa Nova?

Carlos Lyra - A Bossa Nova foi criada pelos compositores e interpretada por ele e não ao contrário. Se o João Gilberto não tivesse as nossas composições não teria nada de Bossa Nova para interpretar. A perpetuação da Bossa Nova se dá pelas constantes gravações de vários artistas em todo o mundo e pelas criações de nós compositores. O João é considerado por alguns como pai da Bossa Nova. Seu prestígio e importância são indiscutíveis. Por ser o principal intérprete da Bossa Nova, não é correto considerá-lo pai da mesma, como não seria correto considerar Frank Sinatra (o maior intérprete norte-americano) como pai da canção norte-americana, negando essa responsabilidade a compositores como Cole Porter e George Gerswhin.

NEWSLET – A Bossa Nova tem naturalidade de unir “amor”, “climas”, “situações”. Isso em um tempo onde havia tranqüilidade. E hoje é mais difícil fazer Bossa Nova?

Carlos Lyra – Olha, estou criando essas letras hoje em dia. Acabei de fazer uma para o Marcos Valle exatamente como se eu estivesse nos anos 60.

NEWSLET – E o quê exatamente te inspira a criar?

Carlos Lyra – Pessoas. As relações humanas. Desde minhas primeiras letras. “O que o seu pai vai dizer; menina eu não presto não pra você, eu sou coisa ruim, será que você quer que falem de você também, do jeito que falam de mim?” “Quando chegares aqui podes entrar sem bater, liga a vitrola baixinho, espera o anoitecer....e quando já for bem cedinho, não quero ouvir tua voz. Sai sem adeus de mansinho, esquece o que houve entre nós”. São conflitos humanos. Lua não me dá conflitos. Antes do termo Recursos Humanos ficar popular a Bossa Nova cuidava de pessoas. Minhas músicas transportam pessoas para os sentimentos que podem ser amor, desilusão, desamor, crises.

NEWSLET – O quê de fato as pessoas aprendem ao cantar ou ouvir Bossa Nova?

Carlos Lyra – Para começar aprendem alguma coisa da língua portuguesa, o que está difícil de ouvir e ler bem nos dias atuais, porque quem lê Vinicius de Moraes desenvolve demais a sua capacidade de escrever melhor. A letra da Bossa Nova não é, contudo, somente poesia. Inclusive tinha uma coisa que o Vinicius aprendia conosco da simplicidade correta e coloquial. Não tem rebuscamento parnasiano. Você lê tão naturalmente e mergulha no texto que nem percebe que é bem escrito. Este é o texto ideal.

NEWSLET -   Como a Bossa Nova beneficia profissionais que são cobrados a criar e inovar o tempo todo?

Carlos Lyra - A Bossa Nova é inovadora por si só. Dentro de uma mesma canção, tanto a melodia quanto a harmonia vão se modificando e nunca se repetindo. Ela provoca mudanças e aguça os ouvidos que estão sempre se surpreendendo com a novidade em cada detalhe. Isso pode servir de estímulo para as criações em todas as áreas do conhecimento.

NEWSLET - Bossa Nova é o “remédio” ideal contra o estresse?

Carlos Lyra – Sim. O público japonês, por exemplo, consome a Bossa Nova porque a vida deles é muito estressada e eles são muito cobrados o tempo todo. Então, quando chegam em casa, o que os relaxa são as músicas de Bossa Nova. Elas têm uma função terapêutica por terem um ritmo suave e uma interpretação cool, comportada.

NEWSLET – Então Bossa Nova e Recursos Humanos têm tudo a ver?

Carlos Lyra – Bossa Nova e Recursos Humanos estão intimamente ligados, com certeza. Bossa Nova é um Recursos Humano na real definição desta palavra. Pessoas que trabalham com outras pessoas em qualquer empresa deveriam ouvir muita bossa nova até para aprimorar seu jogo de cintura para lidar com qualquer relacionamento diário. Seria muito construtivo que as organizações adotassem sessões de Bossa Nova entre seus integrantes. 

NEWSLET - Tom Jobim, Caetano, Gil, Fernanda Montenegro, entre outros, te consideram um mito e um pai da Bossa Nova. Afinal, quem é você?

Carlos Lyra – Sou um pouco de tudo isso que eles dizem, porque também sou um produto deles. Se não fosse Fernanda Montenegro eu também não seria completo. Se não houvesse o Tom Jobim fazendo o que ele fez eu também estaria curto. Se não fosse o Caetano, o Gil e os Doces Bárbaros, a Maria Bethânia, eu não teria ganho tanto. Eles me deram muito. Se sou um mito devo a todos eles!