Tenho uma
grande admiração por Paul McCartney, antes de mais nada pela capacidade
melódica de suas canções e que além de excelente melodista e harmonista
primoroso é ainda um cantautor sempre
agradável. Quando ouvi os Beatles por primeira vez, tudo neles me chamou a
atenção. Eu, de minha parte, já havia gravado dois discos de carreira e a Bossa
Nova era sucesso no Brasil. Vimos que eles faziam com o rock o mesmo que
fizemos com o samba ou seja importar as harmonias sofisticadas do jazz e elaborá-las
à moda dos mestres impressionistas e norte-americanos só que nós, ainda, com o
toque da música francesa e do bolero
mexicano, o mesmo que deu origem ao
nosso samba canção. Foi uma mistura que atraiu as classes médias do mundo pois,
como nós, eles falavam coloquialmente de amor, como que ao ouvido da mulher, a
exemplo dos trovadores provençais do fin-amors,
com uma qualidade melódica, harmônica e rítmica à qual os jovens de nosso tempo
não estavam habituados.
Foi assim
que os dois estilos chegaram a Nova York em 1962 e, em pouco tempo, os Beatles
e a Bossa estavam nas paradas de sucesso com eles à frente, mesmo, de Garota de Ipanema de Tom e Vinicius, o
que valeu o comentário, não sem reconhecimento, do maestro brasileiro: “É, mas
eles são quatro…”
Observando,
com mais atenção, sua obra, achei que um deles se destacava como a alma musical
do grupo. Paul McCartney diferia de John Lennon, este extravagante, contestador
e revolucionário. Afinal, ambos se locupletavam
no conceito de estilo daquele grupo. Mesmo nas parcerias Lennon/McCartney,
a exemplo de Roberto/Erasmo, identifico o talento musical de Paul como simples,
sofisticado e de bom gosto. Assim como a geração de Caetano, Chico, Marcos Valle,
Edú, Dori Caymmi e outros, bebeu na fonte da Bossa Nova para criar uma MPB
diferenciada e de qualidade, tanto literária quanto musical, acredito que os Beatles
influenciaram a geração seguinte dos James Taylor, Carly Simon, Cat Stevens,
etc., todos com carreiras iniciadas nos meados dos anos 60.
Outra
coincidência entre os Beatles e a Bossa é o impasse em que tanto Paul quanto eu
nos encontramos atualmente. Nossos clássicos, sucessos nas décadas de 60/70,
continuam a serem gravados continuamente e, por mais que sigamos compondo,
fazendo nossos próprios arranjos, gravando discos e mostrando que criação não
tem tempo, os críticos que estão sempre cobrando coisa novas, acabam por
comparar o que fazemos hoje com o que foi feito no passado, sem levar em conta
que o mundo de ontem era um e o de agora, assim como nós, é outro. Hoje, com a
mesma integridade, seguimos criando, bebendo em outras fontes, amadurecendo,
observando e absorvendo outras experiências. Não se pode esperar que depois de
meio século continuemos a ser os mesmos. O filósofo grego Heraclito já dizia: “Nunca entramos no mesmo rio…” Nem
podemos nos ater à máxima do poeta espanhol do século XV, Jorge Manrique: “Cualquiera tiempo pasado fué mejor…”
Por outro
lado nossos públicos estão sempre abertos às coisas novas, desde que em nossos
repertórios de hoje, sejam inseridos os clássicos que marcaram suas vidas ou a
de seus pais. É interessante que a mídia nos cobre e o público não. Enfim,
tanto Paul, remanescente dos Beatles como eu, da Bossa Nova continuamos
circulando pelo mundo cantando clássicos e novidades, deixando claro que o que
fazemos não é uma música de geração e sim uma música de classe média que se
perpetua, de geração em geração, nos meios em que se investe e se consome
cultura. Isso, pelo menos, enquanto classe média houver... Fico imaginando se não seria mais uma
identificação interessante se compuséssemos alguma coisa juntos.
Carlos Lyra
Novembro de
2015
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